sexta-feira, 26 de abril de 2013

Great Scott!

Gostava muito de saber escolher entre filmes de viagens no tempo que abusam de paradoxos diversos (Back to the Future ou Terminator) ou os que fogem deles como da peste (Primer ou Los Cronocrímenes). De Primer, filme de 2004, pressinto que irei gostar muito quando o compreender, mas ainda só o vi duas vezes (garantem-me que à quarta). O realizador Shane Carruth, um licenciado em matemática, quis fazer o mais correcto filme de viagens no tempo de sempre e decidiu não simplificar uma linha de texto que fosse. Quanto a esta última premissa posso garantir que é tudo verdade. Los Cronocrímenes, um filme espanhol de 2007, é bastante mais simples, igualmente baratinho (têm-se feito boas ficções científicas com pouco dinheiro e sem a armadilha de gadgets que arriscam anacronismos diversos em poucos anos), mas que, não fazendo cá cedências aos paradoxos que habitualmente são necessários a um enredo que pretenda bilheteira, conseguiu inventar uma história com um loop sem início, ou ou melhor, sem um catalisador do que virá (está) a acontecer, ou talvez ainda melhor, sem ser possível identificá-lo (escreveu-se muito que o filme não fazia sentido: um disparate). Peço desculpa por estas linhas, mas garanto que é dos melhores filmes de viagens no tempo que se fez e com uma viagem de apenas uma hora (há ainda um nu frontal que não estraga o filme). Destes filmes, espero apenas que nunca se deixem de fazer, e lá estarei para ver tudo, mesmo que o espectro seja tão largo que possa ir de Donnie Darko a The Butterfly Effect, inclusivamente (ou sobretudo), um filme que descobri em fóruns um bocadinho obscuros, chamado Frequently Asked Questions About Time Travel, que tem a seguinte sinopse: "While drinking at their local pub, three social outcasts attempt to navigate a time-travel conundrum." Acho que nunca uma sinopse me convenceu tão rapidamente a ver fosse o que fosse.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ainda mais pianistas

Não podia acabar este assunto do noir, tragédia, pianistas, i had it all, etc., sem acrescentar este vídeo. Agora é que está tudo certo.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Mais pianistas

Num filme de personagens há tempo para caracterizá-los lentamente (o propósito por vezes nem é mais do que esse), e disso trataram muito bem Bergman, Woody Allen, Van Sant ou Wes Anderson. Quando é necessário tirar esse problema do caminho rapidamente e passar à acção (as voltas que agora é preciso dar para evitar "narrativa") há quem o saiba fazer bem, mesmo que existam uns quantos truques de algibeira. James Cameron foi bastante espectacular com Aliens, em poucos minutos, a distinguir uma dúzia de marines indiferenciados. Quando Apone acende um charuto assim que acorda da incubadora, está feito o personagem e quando Gorman vomita, também. Cameron a mostrar-nos que viu os seus filmes de guerra noutros tempos.

Nos film noir onde também havia esta urgência, o meu truque preferido foi sempre o do pianista. Se o detective, advogado ou low-life no geral souberem tocar piano, o personagem ganha imediatamente sensibilidade, inteligência, e um passado (até o Axl Rose ficava mais distinto atrás de um piano). Tem-se provado que não basta ser músico (deve estar para ser feito um filme sobre um baixista, e se calhar ainda bem); o pianista dos filmes é o carisma incarnado e com pouca margem para cedências. Se está agora neste bar nojento é porque a vida assim o tramou, mas antes miserável do que vítima (como, provavelmente, o baixista). Ainda melhor: foi de certeza ele quem se tramou, no acto clássico de sabotagem da felicidade - I had it all, and blew it, etc.

Quando Truffaut quis experimentar o seu noir (e devia querer muito, porque fê-lo logo depois d'Os 400 Golpes) compôs a história à volta de um pianista, para minha felicidade. De tanto ver o Charles Aznavour em VHS gravados pelo meu pai, nunca lhe suspeitei tanta pinta como em Disparem Sobre o Pianista, mas ei-lo. Escuso de dizer que o youtube abaixo é praticamente no início do filme.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Detour

Onírico, estranho, erótico, ambivalente e cruel. Como sempre, houve dois franceses - Raymond Borde e Ètiene Chaumeton - que teorizaram até ao impossível o cinema americano, e que criaram a expressão film noir para um determinado género do pós-guerra, que isolaram nestes cinco adjectivos: onírico, estranho, erótico, ambivalente e cruel. De todos os que conheço, o mais exemplar, quase manual de instruções, e o que preenche com maior precisão cada um dos cinco pontos é Detour, um filmezinho - tem 68 minutos -  de Edgar Ulmer (austríaco dos tempos da UFA, assistente de Murnau em Sunrise e, segundo o próprio garante, técnico genérico em M e Metropolis), que se diz ter custado 50 mil dólares e demorado pouco mais de uma semana a rodar.

Detour parece feito de erros técnicos, plot holes e situações tão pouco credíveis que custa entender ter chegado a ser exibido, mas é por pouco mais do que isto que parece nunca sairmos de uma sensação de estranho pesadelo. A femme fatale de Detour é pura acidez e imprevisibilidade demoníaca (ainda dei um salto da cadeira ali a certa altura). Em Network, Sidney Lumet disse que o trabalho mais difícil que teve foi convencer Faye Dunaway a resistir à tentação de humanizar a sua personagem (aparentemente é complicado para os actores). Para Ann Savage, a Vera de Detour e uma daquelas pessoas sem fotografia no IMDB, isto não parece ter constituído qualquer problema: Vera é a encarnação do Mal, sem hesitações. Al Roberts (Tom Neal, outro sem foto) é o arquétipo do anti-herói noir. Derrotado da vida e conformado, sem grandes convicções de finais felizes, calcula que tudo certamente irá correr mal. Sendo que 'tudo' é apenas uma viagem até à California, de boleia, e dois azares cirúrgicos (o filme tem 68 minutos, mas mais de metade destes são passados dentro de um carro sobre estrada projectada em tela).

O noir é um género fácil de gostar, e se há uma boa mão cheia de obras primas, também se fez muito lixo à sua conta, como se baixo orçamento e diálogos começados por suppose fossem em si uma receita de sucesso, mas posso garantir (eu e o Errol Morris, que diz de Detour ser o seu filme preferido de todos os tempos) que é impossível esquecer este milagre de austeridade e minimalismo e posso garantir que não é como os outros, mesmo que os compare aos melhores Wilder, Ray ou Aldrich.


O método científico

Pensei durante muito tempo que a duração dos genéricos nas séries era reduzida gradualmente, à medida que as temporadas se sucediam, para não entediar de morte quem está a ver. O Matt Groening explicou-me que, tendo cerca de 24 minutos para cada episódio dos Simpsons, acertava a duração do genérico se fosse necessário esticar um pouco o resto. Alguns não têm mais do que a situação do sofá, outros continuam tão longos como no primeiro episódio. Ao reconhecer isto fazia-o com alguma vergonha, porque significava que não tinham conseguido encher (digamos assim) os episódios dos genéricos longos. Muito contente com esta informação, resolvi que ia ser este um dos meus critérios da, senão qualidade, pelo menos confiança dos escritores no seu trabalho. Seinfeld, Curb Your Enthusiasm, Arrested Development estavam à frente nos exemplos bons e o brilhante mas inacreditavelmente longo genérico do cada vez mais chato Dexter deram-me razão por cinco minutos, até me lembrar que Sopranos, Wire, Treme, feitos com uma colagem de imagens usadas nos episódios à anos 80 gastavam três minutos que - abençoado tempo que vivemos - são invariavelmente transformados num mínimo que depende da destreza do espectador com o fast forward (parar no created by funciona bem em quase todas as séries). Foi portanto a reflexão mais inútil de toda a minha vida, mas estarei sempre do lado do genérico curto. Apetecia-me exagerar que poderia mesmo salvar uma série, mas o Lost (segundo melhor genérico de todos os tempos) também me cortou as vazas.

Parecendo que não, o parágrafo acima é uma introdução para comunicar que vi o Girls quase todo num fim-de-semana e já ganhou o prémio de melhor genérico de sempre. E tem outros méritos, vi-me obrigado a reconhecer.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Antes que deixe de ver isto, com o desgosto

É verdade que chegámos a comparar Mad Men a Hitchcock, e num certo sentido, já se fez piores comparações (ou pelo menos, não é mais arriscada que a habitual The Wire/Dickens). Aquilo a que se chamava ausência de narrativa em Mad Men era, tal como em Hitchcock (não me estou a rir, a sério), uma ausência dos mecanismos do mistério, mas não do suspense. Isto é, soubemos sempre tudo o que iria acontecer porque conhecemos de cor os anos 60 da América. Sabemos aquilo do Vietnam, de Kennedy e de Marylin Monroe. Sabemos que virão os Stones, Dylan e os Beatles. O próprio segredo de Don Draper é revelado ao espectador muito cedo. Exemplo de como tudo estava a ser bem conduzido é o episódio da crise dos mísseis de 1962, no qual é irrelevante saber que vai correr tudo bem. A angústia e o medo não sofrem nem um beliscão.

Ao terceiro episódio da sexta temporada é outra série de televisão. Não é que alguma vez Mad Men não tenha sido um desfile algo gratuito de vestidos, penteados e referências culturais mais ou menos obscuras, mas onde antes havia omnisciência, há agora muito chata previsibilidade e, pior ainda, má repetição, até à náusea, do que já funcionou.

A ideia central de Mad Men não era boa nem má, e por isso exigia excelente execução: um melodrama sobre a desadequação das pessoas ao seu tempo. Este desfecho, para onde a série caminha há demasiadas temporadas, começa a ser tão óbvio, fácil e arrastado, que cada novo indício (garrafas escondidas no escritório, o fim do glamour do adultério, pessoas que sugerem que se deixe de fumar) se torna quase ofensivo para quem está a ver.

Bem sei, não devia voltar sempre ao mesmo, mas em apenas doze episódios, David Simon contou esta história da desadequação de um homem ao seu tempo - na temporada dos estivadores de Wire - mas escolheu a tragédia, que, na verdade, era a única forma de o fazer. Seguindo o caminho do melodrama, só com muita destreza os criadores de Mad Men escapariam à telenovela (e escaparam, e escaparam, durante duas temporadas quase perfeitas e uma muito boa), o que não teria nada de mal se Mad Men não tivesse deixado há pelo menos dois anos de ser divertido.