quarta-feira, 31 de julho de 2013

Les Cine Filles

Há no amor pelo cinema de americanos como Bogdanovich ou Scorsese uma reverência diferente daquilo a que nos habituámos a chamar cinefilia, esse termo que, enfim, é complicado. Talvez não exista nos primeiros, cuja infância vem dos anos 50, uma decisão intelectual deliberada de ver filmes, mas antes um hábito familiar rotineiro, que vem menos de cineclubes e de ciclos do que de salas comerciais de bairro. Godard disse mais do que uma vez que para o cinéfilo a obsessão pelo cinema é uma cruz e sofrimento. Para Scorsese a sua obsessão é apenas isso*.

Neste texto que agora escreveu, que é sobretudo bonito, Scorsese passa por umas quantas pessoas e inovações que duram até hoje e descreve a montagem tal e qual começou por ser ensinada, nos anos 20, por russos em universidades (cursos superiores de cinema nos anos 20. Não sei que era de nós sem a União Soviética): uma imagem exibida após outra tem um significado diferente das mesmas duas imagens exibidas em separado. A montagem é parte tão indissociável de um filme, que é difícil imaginar que tenha de ter sido inventada em algum momento, e até se seria inevitável fazê-lo. Foi Eisenstein nas famosas escadas de Odessa do Couraçado Potemkine, de que não é exagero dizer ter sido a cena mais influente de sempre do cinema, que abriu caminho e estabeleceu até hoje que não há outra forma de filmar, e Dziga Vertov no Homem da Câmara de Filmar que mostrou o potencial extravagante da montagem. Mas foi um pouco antes, e com um exercício bastante mais simples, que um outro russo, Lev Kuloshev, explicou aos seus alunos o poder da montagem. São alguns segundos tão valiosos há quase cem anos quanto agora.



 *Se parecer que estou a preferir uma a outra ou, pior ainda, parecer que eu entendo que elas existem assim, opostas e arrumadas, é porque eu não sei escrever. Godard não estava a mentir. Os miúdos dos Cahiers du Cinema nos anos 40 e 50 viveram dentro de cineclubes, assistiam a cinco sessões num dia e escreveram o enquadramento teórico mais exaustivo que até aí (até hoje?) existiu em cinema, de tal forma consciente que dele nasceu a Nouvelle Vague, o que é em si mesmo um feito (nunca, nunca é demais sublinhar os 24, 25 anos de idade que tinham estas pessoas dos Cahiers).

Nothing

Tenho finalmente nas mãos, há vinte minutos, o gigante volume de crítica de cinema da Pauline Kael, For Keeps.

Comecemos pelo A Bout de Souffle:

The heroine, who has literary interests, quotes Wild Palms, "Between grief and nothing, I will take grief." But that's just an attitude she likes at that moment; at the end she demonstrates that it's false. The hero states the truth for them both: "I'd choose nothing."