Há uma gastronomia muito específica, cada vez mais rara, aquela que os homens cozinham para outros homens, isto é, um desporto de competição. Algumas das melhores refeições da minha vida foram neste ambiente, na infância, sobretudo à volta de um ensopado de borrego e um tinto da produção de algum deles (outro desporto violento este do vinho de produção) "espesso como azeite", que nunca provei, mas que me ficou como primeira memória de uma apreciação de uma prova.
Apesar de ser um meio agressivo, era possível com apenas um trunfo um homem afirmar-se entre os seus pares, trunfo que invariavelmente andaria à volta de uma feijoada, ensopado, arroz de peixe ou marisco (Miguel Sousa Tavares com o seu "duvido que Adrià faça um peixe grelhado tão bom como o meu"), e que para os menos dotados podia ser apenas um truque fundamental, como o minucioso corte com uma lâmina da barba do alho que tanto impressiona o personagem de Ray Liotta em Goodfellas, um wiseguy que provavelmente nunca confeccionou uma sandes na vida. Da mesma forma, todos os que amam o Padrinho, sabem como fazer uma bolonhesa para um grupo seguindo as instruções específicas de Clemenza, numa receita à qual não vale a pena fugir. Mais tarde, no terceiro filme, Vincent o bastardo da família, é também obrigado a manter-se escondido e também ele se vê a cozinhar para os seus homens, proeza de que se gaba com orgulho à prima impressionável, embora desta vez não seja possível saber o quê. Em A View to a Kill, James Bond, na mesma situação, mas evidentemente com uma mulher, veste o avental para produzir uma quiche adequada à situação. Este tipo de cozinheiro só precisa de ter bem estudada a sua manobra de Heimlich gastronómica para a poder usar no momento certo, de preferência uma situação-limite.
Só os Sopranos, na sua ânsia de matar todos os clichés, passaram ao lado deste fenómeno. Quando precisaram de se barricar num apartamento, os homens de Tony não foram capazes de mais do que uma encomenda de um restaurante chinês.