sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Estive desde 2008 à espera que voltasse a haver Televisão



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Jason

Imaginem as seguintes premissas para uma história:

- Um fulano mascara-se de lobisomem para assaltar casas à noite, na convicção de que se for apanhado em flagrante as pessoas terão medo. Uma noite é fotografado e aparece nas notícias. Os lobisomens da cidade lêem os jornais nessa noite e decidem que é necessário matar o exibicionista.

- Ernest Hemingway, James Joyce, Scott Fitzgerald e Ezra Pound são jovens desenhadores de BD que vivem em Paris nos anos 20. Encontram-se em cafés, aconselham-se com Gertrude Stein, Fitzgerald queixa-se de Zelda, Hemingway de falta de dinheiro. Decidem assaltar um banco.

- Numa pequena cidade do oeste americano um forasteiro chega na sua bicicleta, é reconhecido por todos e recebido com consternação. O xerife sabe que ele voltou para ajustar contas do passado. A namorada diz-lhe que ninguém pensará mal dele se se recusar a enfrentá-lo. O forasteiro pede um mocaccino no saloon e conta a quem quiser ouvir que nunca se esqueceu da partida de xadrez com o xerife em que este o venceu em 28 jogadas. Marcam nova partida para o dia seguinte, ao nascer do sol.

- Athos é um velho mosqueteiro do rei em Paris, na república francesa do que parecem ser os nossos dias. É um homem extremamente chato que aborrece as pessoas que lhe dão dinheiro para uma garrafa de vinho com histórias de capa e espada intermináveis. A Terra sofre um ataque de marcianos e Athos consegue viajar até Marte e, com a ajuda da princesa local e do florete (contra pistolas de laser), salvar a Terra.

- Dois corcundas, assistentes de cientistas loucos que pretendem, respectivamente, dar vida a um morto e criar uma máquina para viajar no tempo, encontram-se no intervalo de almoço num restaurante e falam sobre banalidades, futebol, mulheres, uma ou outra ambição para o futuro. Acabam de almoçar, despedem-se com um aperto de mão, voltam para o trabalho.

Se não fosse por mais nada, já valia a pena ler um livro ao acaso de Jason, um norueguês de quarenta e muitos anos. Nem sei se interessa saber que os seus personagens são sempre pintados como animais diversos (cães, corvos, gatos, coelhos), sem qualquer ambição naturalista (os bichos estão mais perto de máscaras africanas do que de animais propriamente ditos). Ou que, com um domínio notável da linguagem de cinema, mimetiza nos seus quadros mudos de Buster Keaton, westerns de John Ford, filmes noir de Fritz Lang ou diversos géneros de filmes b de terror, ficção científica, ou histórias de gangsters. Nos livros de Jason, os seus heróis da BD são óbvios: declarada e humildemente plagia Pratt, Moebius, Hergé e Bilal. Em macguffins dignos do mestre, as premissas acima são sempre pretextos para temas mais simples e antigos (amor, traição, fim da infância, gente boa, gente má, etc.). Cada página tem sempre seis quadros, do mesmo tamanho.

Ainda assim posso garantir que quem ler pela primeira vez qualquer Jason vai dizer aos amigos que nunca viu nada semelhante e não é porque haja bebés comidos por zombies, adultos que se deslocam em andas em vez de carros, escolas de carrascos (com aulas de teoria sobre corte com machado vs corte com guilhotina e aulas práticas de tortura e confissão) ou porque um coelho diz a um cão que se tivesse o poder de matar impunemente qualquer pessoa no mundo começava pelos Radiohead.

É só porque nunca houve nada parecido com Jason na BD ou noutro sítio qualquer.

Jason, The Left Bank Gang, 2006