segunda-feira, 21 de maio de 2012

Uma das razões porque espero ansiosamente pela reforma


Tabela de preços


Billy Wilder acordou com a produção um cachet de dez mil dólares pelo guião de Ball of Fire. Mario Puzo terá vendido ao estúdio o seu guião d'O Padrinho por dez mil dólares. Conta-se ainda que Tarantino, no início de carreira, teve que vender e abdicar dos direitos de um dos seus dois guiões já escritos. Um era Reservoir Dogs, o outro, True Romance. Vendeu este por dez mil dólares. Aparentemente, seja nos anos 40, 60 ou 90 há um valor-padrão fixo para primeiros guiões de escritores.

Argumentos

É sensato não exagerar nas saudades de outros tempos de escrita para cinema, mas ninguém pode evitar um comentário retrógrado depois de dez minutos de Ball of Fire, filme de 1941 escrito por Billy Wilder, um emigrante em Hollywood.

- Professor Gurkakoff, your window shade again.
- Yes, Miss Bragg.
- It's a crime to carelessly expose this good carpet.
- You've just committed a more serious crime, Miss Bragg. You have split an infinitive. Never "to carelessly expose." Always "to expose carelessly."
- I'm not here to juggle words. It's my job to conscientiously see that this house...
- You've just split another one, Miss Bragg.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Eu devia ser consultado sobre as coisas

Numa daquelas situações que nunca poderei provar, disse em voz alta, embora tarde demais, que o It Won't Be Long de Beatles antecipou de tal forma os Franz Ferdinand que só lhes restava a humildade de fazer rapidamente uma cover da canção. Fui esmagado na minha insignificância quando descobri que a cover já existia e de nada me valeu a epifania.

Ontem, felizmente, enquanto preparava umas fajitas de frango para jantar, escolhi para playlist um shuffle de White Stripes, Cure, Beatles, e Mutantes (eu sei, eu sei, sou muito bom nisto). Como convém que os aros de cebola caramelizem violentamente antes de meter as tiras de frango na chapa, e como já tinha tratado do tomate em cubos, com cebola picada e coentros num charquinho de lima e azeite, pude parar para reflectir um pouco, precisamente no momento em que o caos binário do meu leitor de mp3 escolhia o muito bonito Offend in Every Way desse imaculado White Blood Cells. É evidente que mais tarde havia de adormecer e acordar com um loop de Offend in Every Way dentro da cabeça, que se manteve em grande parte do dia.

Não sei como chegámos deste ponto ao momento em que o loop passou para o I'm So Tired, mas é perfeitamente natural que tudo tenha sucedido assim. Aqui está a única canção de Beatles que quero ver nas garras de Jack White, se possível rapidamente. Pessoas com dúvidas devem dirigir-se directamente para os 0:38, o momento em que John Lennon, sempre um visionário, decide que quer ser o Jack White. Como todos nós.

 

domingo, 13 de maio de 2012

Lost

Uma parte muito significativa deste fim-de-semana foi passado de volta dos podcasts de Desert Island Discs da BBC, programa de rádio com 70 anos. Comecei com algumas estatísticas rápidas. Foram entrevistadas 2893 pessoas, cada uma com direito a oito canções que levaria para uma ilha deserta. Vejamos.

Apenas duas pessoas escolheram Ramones e só uma delas não é o Morrissey. Os Blur foram escolhidos uma única vez e por um ex-director da BBC, por certo para evitar chatices. Há quatro cidadãos que levavam os Oasis para uma ilha (para uma ilha parece-me exagerado, mas uma destas pessoas, só uma - um jogador de rugby - escolheu o Champagne Supernova, o que não me ofende) e os Pulp ganham esta pequena liguilha com cinco escolhas.

Não há cá merdas quanto a indies no geral - nem um voto - sobretudo indie yankee como Strokes, National, Beirut ou Vampire Weekend. Nem indie yankee do norte como Arcade Fire ou Feist. Se tivermos mesmo que escolher lixo desse, então que seja o nosso lixo: oito para Radiohead, um para Goldfrapp, um para PJ Harvey, um para Franz Ferdinand. Bem vistas as coisas, pensará o britânico médio, o que é que esta miudagem quer inventar? Já cá temos The Who (41), Bowie (32), os Stones (54), que raio: inventámos os Beatles (253), o que querem mais?

Não sei se por peer pressure, se por apurado sentido prático (as músicas têm mais do que três minutos, de facto) Bach, Beethoven, Mendel, Mozart e essa malta têm as escolhas mais numerosas. Admite-se algum jazz, desde que devidamente aprovado por Philip Larkin ou Kingsley Amis. Se tiver mesmo mesmo que ser, que não passe de Duke Ellington, Count Basie ou, no limite dos limites, o início de carreira de Miles Davis. Nem pensar em Ornette Coleman (que ainda assim teve três) ou Chick Corea (um). Mesmo Bill Evans ou John Coltrane foram escolhidos por seis e oito pessoas, perigosos dissidentes, decerto. Já que falo nisto, a única pessoa que escolheu White Stripes (e logo por pontaria escolheu I Just Don't Know What to Do with Myself) foi uma ex-directora do MI5.

Dir-se-ia que não se pode ir mais longe, mas 127 pessoas resolveram que nem os grandes compositores românticos estariam livres de poluir o bom ambiente da ilha. 127 pessoas escolhem Shakespeare e não se fala mais nisso.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Save Ringo


quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Odisseia

David Simon sempre soube, mesmo quando The Wire ainda era um projecto (se alguém ainda não o fez, pesquise "wire + bible + pdf") que tinha atingido o melhor que alguma vez se tentou em televisão. Era muito comum afirmar que The Wire não era televisão (nem sequer HBO): teve a estrutura, densidade, dimensão e propósito de um romance e não de uma série.

Homicide não é, nem podia ser, tão ambicioso. Uma grande parte dos casos são resolvidos num episódio e mesmo havendo uma linha narrativa mais longa, o espectador não se sente perdido se apanhar a série num zapping pela primeira vez na terceira temporada. É televisão mais convencional.

Ainda assim, quando descreve Homicide, Simon apresenta-o como um conjunto de contos, ligados por um ambiente preciso e particular. E acrescenta que é o equivalente televisivo a Dubliners.

Nunca lhe faltou moral, abençoado.

Filhos e enteados

Porque a ficção em televisão anda num momento especialmente aborrecido, resolvi voltar a 1993 e começar Homicide - Life on the Street, a série que apresentou a Baltimore de David Simon ao mundo. No mesmo ano estreava também X-Files. Não quero parecer ingrato, mas quase vinte anos depois o legado de uma é Lost e o de outra é The Wire.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Tum num. Tum num. *

Até à terrível experiência com Second Life (um filme que felizmente toda a gente já esqueceu), Bernardo Sassetti costumava apontar em entrevistas o quanto gostava de trabalhar em cinema e as dificuldades e morosidade do processo. George Lucas disse que depois de um ano e meio de filmagem, montagem e desastres diversos no laboratório de efeitos especiais, a primeira coisa que correu bem na produção de Star Wars foi a banda sonora que John Williams lhe mostrou já pronta. Nino Rota, Morricone, Bernard Herrman, Max Steiner, Bill Conti (sim, o Gonna Fly Now, do Rocky) tudo gente que não parece ser capaz de trazer más notícias a um realizador. É certo que não faltam péssimas bandas sonoras (Serpico podia não ter sobrevivido àquele horror de música espalhado pelo filme todo), mas não se conhece histórias de compositores despedidos, como aquelas em que Woody Allen despede todo o elenco ou toda a equipa de filmagem e recomeça do zero. Nem conheço música que tenha sido rejeitada e, imagino, deve haver material para uma edição especial de umas dezenas de discos. Há canções de genérico em alguns James Bond com que ninguém pode ter ficado satisfeito, e aparentemente passaram sempre. Talvez seja mais difícil despedir um compositor que outro funcionário qualquer. Um critério com que não seria disparatado contar nos índices de empregabilidade da profissão.

*Banda sonora de Tubarão, como terão adivinhado.
Como explicado por Clemenza, n'O Padrinho: meter tudo.


10º ano

Pela primeira vez na minha vida estou a ler um livro com auxílio de um guia de leitura e agora não entendo o porquê da má fama desta modalidade.

Calha a todos

Tirando a cavalgada narrativa da quarta temporada, Mad Men soube sempre fazer do tempo lento o seu maior charme. Hoje os diálogos continuam irrepreensíveis, o contexto perfeito, a produção cada vez mais cuidada, mas parece um monstro inconsequente. Um enorme medo de estragar e matar a galinha de ovos de ouro que inventaram tão bem. Paradoxalmente, prevê-se que haverá cada vez mais prendas (o jump the shark de Mad Men) como Tomorrow Never Knows de Beatles a tocar no gira-discos de Draper do episódio 8, que custou em direitos 250 mil dólares. Custos de autenticidade, dizem os produtores da série. LSD, Stones e Beatles, a vanguarda do anti-tabagismo, cancro, beats e hippies, abortos e agora até um rapaz que nasceu num campo de concentração. Começa a não haver nada que não tenha acontecido a este escritório. Que pena. Não foi sempre assim.