- Theo, this is Matthew.
- You were right. He's American.
- Hi.
- I've seen you around. You've been coming to all the Nicholas Ray's.
- Yeah. I really like his movies.
- What? They Live By Night?
- Mm-mm. More like... Johnny Guitar and Rebel Without a Cause.
- You know what Godard wrote about him?
- No. What?
- "Nicholas Ray is cinema."
Este diálogo diz de Bertolucci nos Sonhadores duas coisas. Que gosta tanto de enviar recados ou piscadelas de olho, quanto tem pouca paciência para subtilezas. Estamos avisados: este não é um filme sobre cinema mas sobre cinéfilos, sobretudo um determinado tipo deles. Não que seja possível saber o que pensa Bertolucci de diálogos tão arriscados entre três jovens e, na verdade, o que se passava à porta da Cinemateca Francesa em 1968 não devia fugir muito daquilo. Mas o importante é que se tratava de dois franceses a educar um americano sobre o seu próprio cinema, um orgulho europeu talvez demasiado celebrado, mas que se foi verdade em algum momento, foi naquele.
Eu e Tu, o seu último filme, também tem uma mão cheia de recados como o psicólogo de cadeira de rodas à imagem do próprio Bertolucci que assim está há uns anos, ou do frame final congelado como em Os 400 Golpes. O guião vem de um livro, feito de uma história real de final muito pouco feliz, segundo me diz a internet, mas que neste caso (do filme), apesar de torturado deixa um sabor a ternura quando acaba. Substituindo tortura por melancolia, e sendo esta também uma história de manos, temos praticamente a marca de água de todos os filmes de Wes Anderson, embora este paralelismo não seja, de certeza, propositado.
Mas um outro foi-o e muito. A certa altura, o rapaz, Lorenzo, lê as primeiras páginas de O Vampiro Lestat de Anne Rice e (penso que só a partir daí) todos os códigos de filmes de vampiros entram em acção. Não só os mais óbvios como as duas camas lado a lado nas quais os irmãos dormem como em caixões, ou quando acordam ao início da noite em simultâneo, quando ele lê de cabeça para baixo ou, já no final, a hesitação em sair para a luz da manhã. Há uma clandestinidade, há caça (por medicamentos num momento, e por comida noutro), há presas indefesas (a avó primeiro, a mãe depois). Há planos de filmes de vampiros como na cena em que a Olívia se debruça sobre a madrasta que dorme e mesmo uma ligeira perversão incestuosa (felizmente, mesmo ligeira).
Com a enchente de filmes de vampiros da última década e meia, a pergunta que decerto cada realizador faz a si mesmo quando começa um é "não podendo escapar aos códigos, é possível escapar ao cliché?". Como no western, o que define o género não é a mera presença de cowboys mas a utilização de códigos específicos. E se a situação se inverter e forem usados os dos filmes de vampiros num filme sem vampiros? Ao aplicá-los de forma tão consciente quanto controlada, Bertolucci não fez um filme de vampiros, mas deixou-nos no meio de um, sem recorrer a caninos sobrenaturais, mas a cinema. Isto é, uma pessoa que, por absurdo, nunca tivesse visto um filme de vampiros, nunca teria percebido que estava num em Eu e Tu.