Vou contar-vos um segredo. O último episódio de The Wire não é muito bom. E a última temporada impede a série de ser um 10/10 absoluto. Se não me estiver a esquecer de nada, só os Sopranos souberam acabar uma série de televisão com génio. Algumas souberam acabar com dignidade, outras não, e outras ainda, mesmo fechando sem ponta dela, ficaram para a História da televisão (o Twin Peaks, para começar).
O público das séries é tramado. Chega-se a um final e lêem-se desabafos que envolvem ora traição, ora desejos de morte, depois de anos de posse e competição. Hoje numa esplanada, um miúdo de dezasseis anos dizia ter optado pelo American Horror Story em vez do Walking Dead e não se ter arrependido. Nos comentários das redes sociais as pessoas do Breaking Bad achincalham as do Dexter. Suponho que isto é um fenómeno de televisão. Tirando alguns tolinhos, não se concebe que alguém diga que optou por Ford em vez de Hawks, Rossellini em vez de De Sica, Mizoguchi em vez de Ozu, Truffaut em vez de Godard (por acaso este é comum), Keaton em vez de Chaplin (olha este também; esqueçamos todo este parágrafo).
Somos (já cá estou dentro) um público competitivo que defenderá até ao fim o seu protegido. Se o vimos crescer durante dez anos, a situação descontrola-se, e inevitavelmente viramo-nos contra quem o criou. O equilíbrio em ficção de televisão é difícil, não há espaço para obras de autor. É um equilíbrio entre ter audiências ou ser cancelado. E se tem audiência é muito provável que a corda seja esticada até quebrar e ter de se concluir a série já depois de destruída. Não há muita margem de manobra para os argumentistas e, outro segredo, não é fácil manter um argumento e um guião no topo durante 60 a 80 horas. O ideal seria ter os argumentistas fechados durante todo o período. Não foi mais a incompetência dos criadores de Lost do que as cedências aos disparates que o povo ia dizendo (cheguei a ler sugestões em fóruns inacreditáveis que deram em episódios quase ipsis verbis) que o tornaram num dos desenvolvimentos mais patéticos de sempre de uma história.
E agora o Dexter, coitado, que terminou com uma temporada horrível, porque na verdade já não havia nada a fazer. Já não podia ser salvo (ainda assim poder-se-ia ter baixado um pouco menos os braços) porque há anos que era tudo um bocado merdoso. Se o ouvisse dizer mais um vez que tinha encontrado "finalmente" alguém a quem contar o seu segredo (acho que foram umas quinze pessoas, num elenco de vinte e cinco), eu próprio podia ter abraçado a carreira da psicopatia. Só que este último episódio, ao contrário do resto da temporada, não é nada mau. Chega a ser bom.
Talvez as pessoas (as pessoas estão muito zangadas) se tenham esquecido que gostaram inicialmente de Dexter por causa de uma boa premissa, um bom personagem, mas também pelo ambiente desconfortável que a primeira temporada - mas só a primeira - soube criar. Dexter foi um personagem negro e imprevisível apesar de todas as suas rotinas (imprevisibilidade que vem de ser um psicopata, toda a gente, escritores incluídos pareceu querer deixar isto de lado). Havia mais claustrofobia, mais sangue, mais suor (mas curiosamente menos lágrimas), tudo era ligeiramente mais mórbido, só o suficiente para deixar um desconforto sinistro. Dexter era uma série que já estava condenada, que cometeu demasiados erros, mas este episódio, com um tom e estilo tão semelhantes ao dos primeiros, foi como um rebuçado que os criadores da série quiseram oferecer, mas que a julgar pelas reacções pode ter vindo tarde demais. Pela minha parte foi um esforço notado e bem-vindo.
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