É sempre de louvar que se façam séries, filmes, vídeos de música, sobre a Revolução Americana, mas só quando houver muitos, muitos mais é que se vai ultrapassar esta fórmula da mini-série John Adams. Pegar num homem simples e bom e na sua família e envolver um grande acontecimento numa biopic de época é uma boa receita de sucesso, mas se o Tom Hanks fosse um homenzinho, a série não se chamava John Adams mas Alexander Hamilton, e tinhamos a mesma história da Declaração da Independência e da Constituição, mas à volta de um maluco imperialista que achava que o melhor era conquistar todo o continente americano antes que o Napoleão ou outro francês qualquer resolvesse atravessar o Atlântico.
Não há ninguém, de entre todos os fundadores, mais adequado para a riqueza dramática que se exige numa produção destas. Na cabeça do Hamilton, e - para algum desgosto meu - com razão muitas vezes, aquela sala em 1776 estava cheia de lunáticos que iam perder o país em dez anos se fossem deixados sozinhos. Mais ninguém tinha o impaciente sentido de missão de transformar muito rapidamente a América no que viria a ser daí a duzentos anos, uma linha de narrativa que nunca ficaria mal em televisão. Uma boa série seria a que tivesse o Hamilton como um viajante do tempo enviado pelo Partido Republicano para pôr ordem numa ou outra coisinha que podia ter sido mais bem feita. Esta premissa, para além de brilhante, assegurava uma completa ausência de plot holes, na medida em que estaria explicado o porquê de ter tantas vezes razão antes do tempo o nosso protagonista. Ainda não decidi se era viável ter o Burr como enviado dos Democratas para matar o Hamilton, mas isto são tudo questões que eu, o Tom Hanks e a equipa resolvíamos em sede de brainstorming.
Já quanto aos restantes personagens, nada a apontar, excepto talvez um exagero desnecessário na excentricidade do Benjamin Franklin, outro maluco. Há muitos diálogos sobre os "malditos dentes" que estão sempre a cair às pessoas, nomeadamente ao Adams e ao Washington à hora das refeições. No George Washington, sobretudo, não há rigorosamente nada que falhe. A primeira vez que se dirige às pessoas, num dos congressos continentais, ficamos a saber que Washington e Vito Corleone são a mesma pessoa: quando finalmente se conclui que deve ser este o homem a liderar as milícias, e só após todos os delegados concordarem unanimente com a decisão, ele respira fundo, com enfado, faz um movimento com a boca como quem mastiga uma só vez uma pastilha elástica e diz baixinho que, se é assim, aceita tratar dos ingleses e que podem contar com a sua protecção. Logo que ouvi "you come to me, asking for my help in these matters of ours", ficou tudo muito claro. Podemos adiar o projecto das viagens no tempo, e abraçar este Godfather goes American Revolution, mas se o Hamilton pode bem ser o Sonny e o Adams não é um mau Freddo, é muito mais difícil deixar o Jefferson ser o Michael, mas já se viu coisas mais descabidas em televisão.
1 comentário:
Grande notícia, isto. Agora quase que posso acabar com o blogue. Abraço.
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