segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Mas juro que é o meu único problema com Scorsese

George Harrison - Living in the Material World é o nome do documentário encomendado pela viúva do sempre bem amado beatle a Scorsese após ter visto No Direction Home, o filme sobre a vida de Bob Dylan. Terminei ambos com a sensação de que quem tenha visitado as entradas da Wikipedia para cada um dos músicos, saiu dos filmes com uma excelente opinião da enciclopédia online, mas menos boa do tempo que ocupou no cinema.

Como é evidente estamos aqui perante alguns problemas, o primeiro dos quais é meu: não sei o que constitui um bom filme documentário (sendo que o quase-prefixo 'filme' nesta frase serve para excluir os documentários de 40 minutos dos canais televisão, os quais na verdade também não sei avaliar). Há casos óbvios de investigação jornalística ou de ampliação de micro-fenómenos, ou até de um valor ensaístico (mais vezes panfletário). Ajuda que exista uma história que estava por contar como em Man on Wire ou que um entrevistador especialmente talentoso esteja ao leme da situação, como nos filmes de Errol Morris. Não ajuda escolher uma história tão universalmente conhecida como a de alguém que chegou a ser more popular than jesus.

Ao tentá-lo, Scorsese conseguiu uma proeza fora do comum. Aborrecer de morte aqueles de nós que já leram e viram tudo sobre Beatles e ser extremamente confuso para quem chegou agora (eventualmente estas pessoas existem, tenho comprovado). Por outro lado, e ainda que não haja uma grande quantidade de esqueletos nos armários de George, convenhamos que um filme produzido por Olivia Harrison - a sua última mulher - não deixa ao realizador uma grande margem de manobra para tratar os temas mais delicados da sua vida. A algo célebre tendência para a infidelidade do músico é abordada apenas pela própria viúva, numa frase para se ler nas entrelinhas, mas o momento em que a primeira mulher o troca por Eric Clapton é exaustivamente revisto de todos os ângulos possíveis. Ao tentar atribuir especial protagonismo à carreira a solo pós-Beatles, fica uma sensação triste, e claramente oposta ao pretendido, dos enormes limites de Harrison para a composição - apesar de sucessivas tentativas - muito mais notórios após a separação. O seu grande génio para arranjos tão perfeitos quanto inventivos ou inesperados nas canções do grupo (em quase todas) surge sempre apenas através dos depoimentos de McCartney.

Talvez este filme, como o de Dylan ou dos Rolling Stones, tivesse que ser feito por alguém e, nesse sentido, ainda bem que é Scorsese que se chega à frente, mas, sobretudo neste caso, estamos perante mero trabalho de edição de imagens dos últimos 50 anos, com entrevistas, poucas, a pessoas que já ouviram aquelas perguntas centenas de vezes, aliás como o público. Não há Scorsese no documentário, como não há em No Direction Home, com a diferença de que a biografia de Dylan é uma história melhor.

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