segunda-feira, 22 de abril de 2013

Detour

Onírico, estranho, erótico, ambivalente e cruel. Como sempre, houve dois franceses - Raymond Borde e Ètiene Chaumeton - que teorizaram até ao impossível o cinema americano, e que criaram a expressão film noir para um determinado género do pós-guerra, que isolaram nestes cinco adjectivos: onírico, estranho, erótico, ambivalente e cruel. De todos os que conheço, o mais exemplar, quase manual de instruções, e o que preenche com maior precisão cada um dos cinco pontos é Detour, um filmezinho - tem 68 minutos -  de Edgar Ulmer (austríaco dos tempos da UFA, assistente de Murnau em Sunrise e, segundo o próprio garante, técnico genérico em M e Metropolis), que se diz ter custado 50 mil dólares e demorado pouco mais de uma semana a rodar.

Detour parece feito de erros técnicos, plot holes e situações tão pouco credíveis que custa entender ter chegado a ser exibido, mas é por pouco mais do que isto que parece nunca sairmos de uma sensação de estranho pesadelo. A femme fatale de Detour é pura acidez e imprevisibilidade demoníaca (ainda dei um salto da cadeira ali a certa altura). Em Network, Sidney Lumet disse que o trabalho mais difícil que teve foi convencer Faye Dunaway a resistir à tentação de humanizar a sua personagem (aparentemente é complicado para os actores). Para Ann Savage, a Vera de Detour e uma daquelas pessoas sem fotografia no IMDB, isto não parece ter constituído qualquer problema: Vera é a encarnação do Mal, sem hesitações. Al Roberts (Tom Neal, outro sem foto) é o arquétipo do anti-herói noir. Derrotado da vida e conformado, sem grandes convicções de finais felizes, calcula que tudo certamente irá correr mal. Sendo que 'tudo' é apenas uma viagem até à California, de boleia, e dois azares cirúrgicos (o filme tem 68 minutos, mas mais de metade destes são passados dentro de um carro sobre estrada projectada em tela).

O noir é um género fácil de gostar, e se há uma boa mão cheia de obras primas, também se fez muito lixo à sua conta, como se baixo orçamento e diálogos começados por suppose fossem em si uma receita de sucesso, mas posso garantir (eu e o Errol Morris, que diz de Detour ser o seu filme preferido de todos os tempos) que é impossível esquecer este milagre de austeridade e minimalismo e posso garantir que não é como os outros, mesmo que os compare aos melhores Wilder, Ray ou Aldrich.


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