Quando se usa crianças em filmes, a tentação de criar adultos em ponto pequeno, mas melhores, ganhou quase sempre. É o elogio da inocência como sinónimo de bem e até de inteligência, que atingiu o seu ponto mais baixo e perverso com a criança grande Forrest Gump. A utilidade destas personagens é normalmente a de compasso moral dos adultos com quem contracenam. Spielberg, de quem nunca se poderá dizer que não sabe recriar a infância, teve sempre como tema este confronto entre um mundo bom e um corrompido e os únicos bons adultos são os que conseguem recordar (de forma sempre incompleta, claro) o que é voltar a ser uma criança.
A infância é um tema fascinante, mas mais vasto. É incompreensão (também do mal, sim, mas não como oposto ao bem), é uma imaginação descontrolada que por vezes cria fantasias negras (tive os piores pesadelos que me lembro antes dos dez anos), e portanto, medo. É um território de medo e de medos de que nunca nos esquecemos. Hitchcock lembrava-o frequentemente e era essa a sua forma de avaliar se estava a criar bom ou mau terror. Comparava sempre com o que o assustava nas histórias que lhe contavam em criança.
Dois filmes de fácil associação - Night of the Hunter de Charles Laughton e El Espíritu de la Colmena de Victor Erice - cumprem melhor do que qualquer outro que me lembre este retrato difícil. Não só o medo, embora em parte seja esse o grande tema, mas a curiosidade, a ingenuidade (ao serviço de nada, está só lá) e, o que talvez falte em outros filmes, uma forma de pensar menos lógica, mais aleatória, do que conseguimos compreender enquanto adultos, mas nem por isso correcta. Há ainda tudo o resto como a inocência e bondade, a ligação a manos, ou a relação de confiança (e de desconfiança) com os pais. É um conjunto que raramente atingiu um carácter tão total como nestes dois filmes.
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