É verdade que chegámos a comparar Mad Men a Hitchcock, e num certo sentido, já se fez piores comparações (ou pelo menos, não é mais arriscada que a habitual The Wire/Dickens). Aquilo a que se chamava ausência de narrativa em Mad Men era, tal como em Hitchcock (não me estou a rir, a sério), uma ausência dos mecanismos do mistério, mas não do suspense. Isto é, soubemos sempre tudo o que iria acontecer porque conhecemos de cor os anos 60 da América. Sabemos aquilo do Vietnam, de Kennedy e de Marylin Monroe. Sabemos que virão os Stones, Dylan e os Beatles. O próprio segredo de Don Draper é revelado ao espectador muito cedo. Exemplo de como tudo estava a ser bem conduzido é o episódio da crise dos mísseis de 1962, no qual é irrelevante saber que vai correr tudo bem. A angústia e o medo não sofrem nem um beliscão.
Ao terceiro episódio da sexta temporada é outra série de televisão. Não é que alguma vez Mad Men não tenha sido um desfile algo gratuito de vestidos, penteados e referências culturais mais ou menos obscuras, mas onde antes havia omnisciência, há agora muito chata previsibilidade e, pior ainda, má repetição, até à náusea, do que já funcionou.
A ideia central de Mad Men não era boa nem má, e por isso exigia excelente execução: um melodrama sobre a desadequação das pessoas ao seu tempo. Este desfecho, para onde a série caminha há demasiadas temporadas, começa a ser tão óbvio, fácil e arrastado, que cada novo indício (garrafas escondidas no escritório, o fim do glamour do adultério, pessoas que sugerem que se deixe de fumar) se torna quase ofensivo para quem está a ver.
Bem sei, não devia voltar sempre ao mesmo, mas em apenas doze episódios, David Simon contou esta história da desadequação de um homem ao seu tempo - na temporada dos estivadores de Wire - mas escolheu a tragédia, que, na verdade, era a única forma de o fazer. Seguindo o caminho do melodrama, só com muita destreza os criadores de Mad Men escapariam à telenovela (e escaparam, e escaparam, durante duas temporadas quase perfeitas e uma muito boa), o que não teria nada de mal se Mad Men não tivesse deixado há pelo menos dois anos de ser divertido.
4 comentários:
Não partilho esse cansaço (por mim, continuo a ver sem que seja pelo desfile de penteados e vestido, continua a ser melhor do que 90% da ficção televisiva a que tenho acesso, e a internet dá-nos acesso a tudo), mas acho extremamente injusto seja para quem for continuarmos a fazer comparações com o The Wire. Por certo terás visto, pelo menos alguns episódios, de Treme, pelo que saberás tão bem como eu que até é injusto compararmos David Simon com o The Wire.
E, já agora, e dado que a minha mulher não me deixa ver a terceira temporada do Deadwood, o que é que um gajo vê?
Tens toda a razão, já é quase uma piada a que não consigo fugir, isto do Wire. Eu gosto de ver televisão e até vejo com muito gosto coisas um bocado más (o Dexter, que já é inqualificável, ou o Walking Dead que, enfim, começo a ter vergonha).
O que me aborrece neste momento é que nenhuma série saiba acabar. Acho que só os Sopranos e o Wire (peço desculpa, peço desculpa) souberam fazê-lo. Até o West Wing custou um bocadinho ali no fim. No caso do Mad Men, podia ter-se resolvido a situação há uma temporada e estaríamos todos muito satisfeitos por termos assistido a tudo. Agora até já a acho um pouco mais mal escrita (a melhor forma de testar isto é a qualidade das tiradas do Roger Sterling, que me fizeram ver a última temporada com muito gosto).
Ainda assim, é bem provável que não haja melhor neste momento. Nem vale a pena começar a falar do Treme. Comecei tudo com muito entusiasmo, mas tanto jazz e cajun, e nenhum hip-hop e hamburgueres deixaram-me de pulga atrás da orelha.
Parece que em breve recomeça o Arrested Development, excelentes notícias, embora toda a internet que escreve esteja cheia de medo que não esteja à altura destes não sei quantos anos de espera.
Vieste o House of Cards? Aquilo tem imensos defeitos, mas acho que ainda foi a melhor coisa que vi ultimamente. Isso e o Battlestar Galactica, que me faz ver que esta moda das séries "vintage" está a roubar espaço a ficção científica. Menos vestidos, mais naves, é o que peço.
Logo a seguir a escrever aquele comentário lembrei-me disso do House of Cards, mas ainda não vi. Há combinações que não podem ser más mesmo que sejam um bocadinho, e Fincher + Spacey + Casa Branca não deve ser tempo perdido.
Houve há uns anos uma dessas coisas nostálgicas chamado Life on Mars (a versão original inglesa). No fundo, o mesmo propósito do Mad Men mas em Manchester dos anos 70 e com polícias. Tinha muitos problemas, mas de vez em quando lá aparecia um episódio com o Bobby Charlton, o Marc Bolan ou um cavalo de corridas muito famoso chamado Redrum (fama que, na altura, fui confirmar com aquela fonte fidedigna sobre isto de cavalos) e eu ficava satisfeito.
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